Apresentamos a seguir o projeto de Mario Biselli, Paulo Barbosa, Taís da Silva e Fernanda Castilho, premiado com o terceiro lugar no Concurso Nacional para o Anexo do BNDES, promovido pelo próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Os participantes do concurso tinham como objetivo propor um edifício anexo à edificação existente, localizada no dentro do Rio de Janeiro.
O chão da cidade
O diálogo entre novo e o existente, em nosso projeto, estabelece sua base na singularidade da expressão estrutural, tendo em vista a excelência e a força que apresenta o atual edifício sede (EDSERJ) em tais aspectos. Esta sempre se apresentou como a abordagem mais oportuna, pois, para além da questão meramente expressiva, o esforço estrutural justifica-se plenamente mediante a condição urbana que se pretende criar. Neste ponto emerge também um alinhamento com a evolução natural do raciocínio sobre o papel da estrutura no contexto das rápidas transformações da história recente da arquitetura: se no modernismo clássico a estrutura possuía um papel fundamental como expressão de si mesma, no cenário contemporâneo a estrutura se apresenta principalmente concentrada na ênfase do partido arquitetônico como intenção, seja uma especialidade especifica, ou aspectos da forma, transparência, materialidade, etc, ou como no caso deste projeto, a mencionada condição urbana.
De fato a cidade do Rio de Janeiro é notavelmente zelosa de seus espaços públicos, o "chão da cidade", por assim dizer, que em face da progressiva mercantilização de cada centímetro quadrado da cidade, torna-se o ítem mais valioso a ser considerado pelo arquiteto.
Ilustres modernistas deixaram nesta cidade inúmeros exemplos do uso ideal e correto do pilotis, do modo como foi idealizado por vanguardistas russos e posteriormente explorado extensamente na obra de Le Corbusier, ou seja, uma conversão do território privado em público, no nível do solo. Esta condição implica oferecer todo o nível térreo como espaço público e integrador, na busca de congregar todo um conjunto de outros espaços desta natureza no entorno imediato: A Praça João Calvino, a Rua da Carioca, o Largo da Carioca e o Caminho de São Francisco.
Este espaço público torna-se de vital importância tendo em vista os requerimentos relativos às conexões internas via uma seqüência de espaços semi públicos, aos fluxos e acesso de transporte em sua variedade modal disponíveis na região, bem como os mencionados transportes alternativos. É necessário sublinhar ainda a especial atenção quanto ao novo papel da avenida República do Paraguai, que assume a partir deste projeto um caráter integralmente renovado, e amplamente necessário em vista dos diversos edifícios referenciais e espaços urbanos aos quais está relacionada mais diretamente, a catedral Presbiteriana e praça João Calvino, a até mesmo aos espaços da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro.
Ainda importante, no contexto da Avenida República do Paraguai, uma das principais características do projeto: a composição do conjunto arquitetônico da sede do BNDES, agora configurada por dois edifícios de caráter singular em harmonia, como partes de um todo institucional e seu contexto urbano, ao invés de um edifício principal e seu anexo em plano secundário.
Esta imagem se fortalece no vocabulário da linguagem arquitetônica, que estabelece sua expressão nos elementos da tecnologia construtiva de ultima geração - leveza, transparência, sustentabilidade - destacando o nível de excelência da instituição em cada um de seus edifícios como espelho de seu tempo.
As demais decisões relativas ao partido arquitetônico favorecem a conexão com o atual edifício sede do BNDES (EDSERJ) e as melhores características possíveis para o edifício anexo em face das condições do sitio e das demandas do programa:
- As conexões se fazem em três níveis respeitando a hierarquia e a característica de acessos públicos e restritos existente na condição atual. O projeto prevê, portanto, uma conexão de acesso público no nível térreo, uma conexão de acesso controlado no nível da sobreloja, conforme demanda do edital, e uma terceira conexão controlada no nível do primeiro subsolo.
- Fundamental a existência de uma fachada leste aos fundos do lote, assim como uma adequada proteção da fachada oeste junto à Avenida República do Paraguai. No sentido de acentuar a área insulada na fachada leste e de proteger a fachada oeste da excessiva insolação, o edifício se inflexiona levemente em seu eixo vertical, obtendo também as condições para criar-se um terraço interno de altura integral no nível da biblioteca e, por conseguinte, uma segunda pele de vidro que atua como brise para proteção da fachada oeste.
- O edifício foi projetado de forma a otimizar o uso de soluções passivas que colaboram significativamente para a mínima dependência dos sistemas artificiais, embora não se possa prescindir integralmente destes para que se atinjam os níveis desejáveis de eficiência e conforto para um edifício "verde".
O edifício se articula com o desenho do pavimento térreo em dois níveis: o superior correspondente ao nível térreo do EDSERJ e conexão com o Largo da Carioca, onde estão localizados o auditório, as salas de vídeo conferência e sala vip; e o inferior em nível com a Praça João Calvino e Rua da Carioca, onde se localiza o espaço qualidade de vida.
A partir disto o edifício prevê sete pavimentos e quatro subsolos:
- O primeiro pavimento recebe a biblioteca, o Centro de Memória e o Centro Celso Furtado; o segundo pavimento recebe o Centro de Estudos e Desenvolvimento de Competências e o Centro de Documentação.
- Os cinco níveis superiores se destinam aos escritórios do BNDES.
- O primeiro subsolo abriga a Infraestrutura de Telecomunicações e demais áreas técnicas, enquanto que os demais subsolos estão destinados à garagens.
Paisagem e Contexto Urbano
Recuperação paisagística das áreas impactadas pela construção do edifício anexo através da recomposição da vegetação nativa do sítio a partir da expansão do maciço vegetal a leste do complexo, restituindo as características originais da vegetação local.
A inserção do edifício na paisagem se dá de maneira sóbria e monumental através de um prisma claro e leve capaz de transmitir os valores da instituição.
Mobilidade
O projeto propõe a reconfiguração da face oeste da quadra onde se insere o complexo do BNDES a partir da restauração e ampliação das possibilidades de conexão peatonal, incentivando e favorecendo o uso do transporte público, bem como a melhoria do entorno urbano próximo; assim como a proposição de bicicletários nos acessos ao complexo.
Sistema Construtivo
A demanda por uma praça de acesso público levou à um desenho estrutural que permitisse um vão livre significativo, dispondo de poucos pontos de apoio. Desse modo três treliças da altura de quatro pavimentos desenvolvem-se no sentido longitudinal do edifício e se encarregam de suportar todas as lajes da torre. A primeira treliça, no eixo 4, desenvolve um vão livre de 50 metros com ulteriores balanços de 17,25 metros em ambas as extremidades. Já as duas posteriores tem a metade do vão e são responsáveis por transferir parte da carga da porção frontal do edifício para os apoios nos eixos 2 e 3.
No sentido transversal uma série de vigas metálicas paralelas com intervalo de 2.50 metros suporta as lajes de concreto sobre steel deck.
Em resumo, a estrutura se desenvolve com sistema misto em estruturas de concreto armado e protendido para os térreos e subsolos; e estruturas de aço com lajes steel deck para a torre.
Sustentabilidade e Estratégias Bioclimáticas
Na construção civil é a conjunção de fatores como a energia, o ambiente e o comportamento térmico dos edifícios, os custos e o enquadramento legal que definem a sustentabilidade nas edificações.
Estes fatores são analisados segundo uma perspectiva de ciclo de vida, compreendendo três períodos: construção, utilização e desmonte. A redução dos impactos globais, locais e a valorização ambiental do espaço interior resultará de uma abordagem metodológica que assenta sobre os princípios de qualidade ambiental desde a fase de concepção e projeto dos edifício, complementada com métodos de construção e procedimentos de utilização ambientalmente corretos.
O projeto, desta forma, estabelece critérios muito claros no que diz respeito ao impacto global na construção de edificações:
- Incorporação de materiais de reduzido impacto ambiental e elevada sustentabilidade;
- Utilização racional dos recursos naturais (energia, água, matéria prima).
Para a redução do impacto local e a valorização ambiental do edifício, o projeto determina as seguintes diretrizes fundamentais:
- Maximização do aproveitamento do potencial de ventilação natural;
- Maximização da implementação de estratégias solares passivas;
- Maximização do aproveitamento do potencial de iluminação natural;
- Maximização do conforto térmico e acústico, quer por intervenção na qualidade térmica e acústica da envolvente, quer nos sistemas passivos e ativos de climatização e de ventilação;
- Controle da emissão de ruído, poluição atmosférica, impermeabilização e contaminação de solos, climatologia local;
- Integração positiva com a paisagem e o regime de ventos;
- Prevenção de eventuais impactos ao nível da saúde, decorrentes da utilização de sistemas e materiais inadequados;
- Maximização das condições de segurança contra incêndios e intrusão;
- Estratégia de utilização da água;
- Implementação de sistemas de monitoramento do comportamento dos edifícios.